Os Estudos das Escrituras substituem a Bíblia?

Muitos, como o ex-membro do Corpo Governante (liderança) das Testemunhas de Jeová, Raymond Franz, citam uma ou algumas partes de dois parágrafos de um artigo de Russell, colocando-os no contexto da atual doutrina da organização das Testemunhas de Jeová, tendo provar que Russell estava reivindicando para si ser uma autoridade doutrinária suprema, ou que suas publicações, como a obra “Estudos das Escrituras”, eram tal autoridade, e, como tais, suplantam a autoridade da Bíblia. Na verdade, tentam fazer Russell dizer algo que não  cremos que Russell jamais pretendeu dizer com suas palavras. Acreditamos nisso por causa do que Russell afirma no contexto do próprio artigo citado bem como pelo teor geral das obras que ele produziu durante toda a sua vida.  Russell se referiu continuamente à Bíblia, ou a Jesus e aos apóstolos, como a autoridade final, e incentivou outros a fazerem o mesmo.
O trecho em questão, distorcido por muitos, é este:
“Se os seis volumes de ESTUDOS DAS ESCRITURAS constituem praticamente a Bíblia, organizada por temas, com referências de textos bíblicos, nós poderíamos chamar a esses, não de modo impróprio ― a Bíblia numa forma organizada. Isto quer dizer que não são meramente comentários da Bíblia, mas são praticamente a própria Bíblia, já que não há desejo algum de edificar qualquer doutrina ou idéia com base em qualquer preferência individual ou sabedoria individual, e sim de apresentar todo o assunto em concordância com a Palavra de Deus. Achamos seguro, portanto, acompanhar este tipo de leitura, este tipo de instrução, este tipo de estudo bíblico. Ademais, não só descobrimos que as pessoas, estudando apenas a Bíblia, não conseguem entender o plano divino, como também descobrimos que se alguém põe de lado os ESTUDOS DAS ESCRITURAS, depois de já os ter usado e de se tornar familiarizado com eles, após tê-los lido durante dez anos ― se alguém, pois, deixaos de lado e os ignora, recorrendo só à Bíblia, embora entenda a Bíblia por dez anos, a nossa experiência mostra que dentro de dois anos ficará em trevas. Por outro lado, se tivesse simplesmente lido os ESTUDOS DAS ESCRITURAS, junto com suas referências, sem ler uma única página da Bíblia, essa pessoa estaria na luz ao fim dos dois anos, porque teria a luz das Escrituras.”
Raymond Franz, em seu livro Em Busca da Liberdade Cristã, afirma que Russell queria dizer que os Estudos das Escrituras eram mais importantes do que a Bíblia. Ocorre que o próprio artigo de Russell continua dizendo:
OS “ESTUDOS DAS ESCRITURAS” NÃO SÃO UM SUBSTITUTO DA BÍBLIA
Não se trata, portanto, de colocar os ESTUDOS DAS ESCRITURAS como um substituto da Bíblia, pois, longe de substituir a Bíblia, os ESTUDOS, pelo contrário, fazem continuamente referência à Bíblia, e se alguém tiver qualquer dúvida quanto a alguma referência ou se a lembrança de alguém falhar em algum ponto e sua memória precisar ser reativada, ele veria de fato que cada pensamento seu está em harmonia com a Bíblia ― não meramente de acordo com os ESTUDOS DAS ESCRITURAS, mas de acordo com a Bíblia. 
Podemos salientar que um bom número dos amigos na Verdade estão estabelecendo como norma ler doze páginas dos ESTUDOS DAS ESCRITURAS por dia, e que não conhecemos um só dos que estão seguindo este procedimento e fazendo uso dos vários meios da graça que o Senhor tem provido (reuniões da Aurora e de testemunho, reuniões dominicais, reuniões de Peregrinos, lições bereanas, texto do Maná, etc.), que tenha saído da verdade. Conhecemos muitos que, ao contrário, expressam a opinião de que sabiam destas coisas há muito tempo, enquanto, na verdade, não sabem a metade das coisas que sabiam― esqueceram mais da metade do que leram e estão entre aqueles que agora tropeçam, e indo para as trevas exteriores. Não estamos com isto querendo dizer nada contra alguém estudar meticulosamente os capítulos que não entende e que outros não entendem, esperando lançar luz sobre alguma verdade. Não fazemos objeção a isto. Tem o pleno direito de assim fazer se desejar. Tem o direito de gastar semanas e anos desta maneira se assim preferir, mas mesmo então, as chances são de que, ao lançar luz sobre algo, ele venha a entendê-lo totalmente errado.” — A Torre de Vigia de Sião (“A Sentinela”), 15 de agosto de 1964, páginas 511, 512.
Em nossa opinião, o próprio artigo já deixa claro que Russell não via os Estudos das Escrituras como superiores ou um substituto da Bíblia.
Como Russell encarava a Bíblia e a liberdade de estudo da mesma?
As seguintes citações, colhidas do inteiro corpus da obra de Russell, nos dão uma visão mais clara de seu posicionamento quanto às publicações, à Bíblia, e à liberdade de estudo:
“A Bíblia é a Palavra de Deus para nós. E, embora estejamos prontos para reconhecermos os canais e instrumentos honrados pelo Senhor ao trazer a nossa atenção as coisas, novas e antigas, de sua Palavra, nunca devemos nos esquecer que a Palavra em si é o árbitro final e que, se algum ensinamento falhar em se harmonizar com essa Palavra é porque não há luz neles. (Isa. 8:20) Então, como o apóstolo diz, não somos apenas ouvintes, mas também cumpridores da Palavra do Senhor. (Tiago 1:22) E “aquele em quem está a minha palavra, que fale a minha palavra, com verdade” (Jer. 23:28) — não incerta, duvidosamente, mas “se alguém falar, fale segundo as palavras de Deus”. 1 Ped. 4:11 — “O Menino Samuel”, A Torre de Vigia de Sião, 15 de outubro de 1895.
“Nunca se esqueça de que a Bíblia é o nosso Padrão e que, por mais que nossas ajudas sejam uma benção divina, elas são “ajudas” e não substitutos da Bíblia.” — Relatório da Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados, A Torre de Vigia de Sião, 15 de dezembro de 1909.
“O que a cristandade precisa hoje é de um retorno à Bíblia, uma investigação de seus ensinamentos e, correspondentemente, uma rejeição de todos os credos humanos, reconhecidamente mais ou menos defeituosos.  Devemos “permanecer firmes na liberdade com que Cristo nos libertou”. Devemos aceitar a Bíblia como o único padrão. Devemos estudá-la e compreendê-la na medida de nossa capacidade. Vamos nos alegrar com todos os graus de harmonia que alcançarmos no entendimento correto dela. Que tenhamos comunhão como cristãos, todos os que reconhecem sua autenticidade divina e que, em harmonia com sua apresentação, confiam em Jesus como seu redentor;  e que, aceitando o convite Dele, abandonaram tudo para serem seguidores de Seus passos.
Esses são os verdadeiros cristãos, independentemente de qualquer seita ou grupo com os quais possam estar identificados, supondo que estejam fazendo a vontade de Deus. Somente esses são os santos; esses por si só estão na corrida; somente eles têm a oportunidade de confirmar seu “chamado e eleição”.” — Onisciência Divina e Poder Supremo, Jornal St. Paul Enterprise, 11 de dezembro de 1917, conforme reimpresso em Harvest Gleanings, Volume 3 (a partir da página 140, em inglês).
“A BÍBLIA é a nossa cartilha, os Volumes das Escrituras e as Torre de Vigia são os nossos comentários, explicações, etc., e nosso departamento de correio nos permite apontar e enfatizar partes incompreendidas da instrução.” — A Torre de Vigia de Sião, dezembro de 1902, página 377.
“É um grande erro afirmar que a Bíblia é o produto da Igreja; e aqueles que fazem essa afirmação não sabem onde procurar a Igreja. As Escrituras declaram que Jesus Cristo foi o cabeça e precursor da Igreja; e se ele foi o precursor, é claro que nenhum dos membros da Igreja o precedeu e, portanto, que as Escrituras do Antigo Testamento — que Paulo diz ‘foi escrita no passado (antes do advento de Cristo) para nos ensinar, de forma que, por meio da perseverança e do bom ânimo procedentes das Escrituras, mantivéssemos a nossa esperança’ (isto é, do evangelho — Rom. 15:4) — não eram o produto da Igreja. E se, como mostramos, os escritos dos apóstolos foram divinamente inspirados, as Escrituras do Novo Testamento não são o produto da Igreja.  Mas as agências humanas consagradas foram usadas nos dois casos como instrumentos honrados por Deus. A palavra do Senhor através dos apóstolos não é o produto da Igreja, mas a revelação divina. E nunca desde que esses apóstolos inspirados adormeceram a igreja foi capaz de acrescentar um pingo à sabedoria celestial revelada através deles; e em qualquer extensão que ela tenha se desviado de seus ensinamentos, ela manifestou sua loucura por filosofias vãs que expõem sua ignorância e egoísmo.” — A Torre de Vigia de Sião, 1 de outubro de 1893, página 292.
“Agora que estamos prontos e totalmente equipados para o estudo da Bíblia, somos prejudicados, esmagados por doutrinas erradas que se alojaram e se fixaram na memória. Algumas delas vieram dos credos, algumas de hinários, algumas da pregação e outras de folhetos religiosos. Como resultado, estamos cheios de mal-entendidos e inconsistências que fazem com que a Bíblia pareça ser contraditória. Tanto é assim que, nos dias de hoje, é considerado algo moderno as pessoas inteligentes rirem da Bíblia e negarem sua inspiração divina. Mas a Bíblia é coerente em si mesma e é completamente contrária às doutrinas dos credos. Esses fatos, no entanto, precisam ser completamente aprendidos antes que possamos ter total confiança na Bíblia e apreciá-la completamente. Essas bênçãos têm sido cada vez mais derramadas sobre o povo do Senhor, especialmente nos últimos trinta e cinco anos.” — A Torre de Vigia de Sião, 1º de dezembro de 1913, página 366.
“Em uma palavra, o trabalho de nossa Sociedade é conduzido com a crença de que a Bíblia é divinamente inspirada e que agora estamos vivendo um dia maravilhoso, mencionado pelos profetas, quando “os sábios entenderão” quando receberem “alimento no devido tempo” do maravilhoso livro de Deus. Por “sábios” queremos dizer, é claro, aqueles que são sábios em relação a Deus, não os sábios do mundo.” — A Torre de Vigia de Sião, 15 de outubro de 1916, página 308.
“Nós, como Estudantes da Bíblia, estamos cada vez mais apreciando o fato de que o Plano Divino apresentado na Bíblia é maravilhoso em sua simplicidade e abrangência. Cada vez mais, percebemos que nosso erro no passado foi o fato de não termos estudado a Bíblia, mas sim os credos — e correspondentemente tivemos trevas em vez de luz.” — A Torre de Vigia de Sião, 15 de agosto de 1914, página 264.
“Você não pode dizer muito do livro, como aquele que mostrará em estilo interessante que a Bíblia interpreta a si mesmo e seus ensinamentos são grandemente harmoniosos quando vistos à luz da razão santificada e do senso comum. Você pode certamente dizer, também, que o livro não é uma leitura seca e mofada, mas realmente “alimento no tempo apropriado” para os famintos pela verdade; e (nas palavras de certa irmã) que a luz, refletida por esse precioso volume, fez da Bíblia um novo livro, um tesouro, uma mina de riqueza para muitos e para si mesmo.” — A Torre de Vigia de Sião, maio de 1887, página 1.
“Os capítulos dois e três [do Plano Divino das Eras] sobre os quais devo falar; eles são muito úteis, especialmente se você tem jovens amigos que tendem a ser céticos. O primeiro dá evidências, além da Bíblia, de que existe um Criador onisciente; o outro responde minuciosamente à “alta crítica” e aos descrentes, pelas provas internas, de que a Bíblia é inspirada. Só esses dois capítulos já valem muitas vezes o custo de todo o conjunto de livros. Como um leitor bem disse: “Essas ajudas ao estudo da Bíblia valem mais dólares do que o custo em centavos”. — A Torre de Vigia de Sião, 15 de agosto de 1904, página 246
“Você também não deve se apoiar na série AURORA (mais tarde chamada de Estudos nas Escrituras) e nas TORRE DE VIGIA DE SIÃO como instrutores infalíveis. Se era apropriado que os primeiros cristãos provassem o que receberam dos apóstolos, quem eram inspirados e alegavam serem isso, quão mais importante é que você se satisfaça plenamente de que esses ensinamentos estejam estreitamente em harmonia com as instruções básicas deles e as de nosso Senhor; — já que o autor dessas publicações não reivindica inspiração, mas apenas a orientação do Senhor, como alguém usado por Ele para alimentar seu rebanho.” — A Torre de Vigia de Sião, 1º de junho de 1893, página 168.
“Não pregamos a nós mesmos, mas a Cristo. Não substanciamos nada, exceto por sua Palavra. Não fazemos leis, não formulamos credos, não privamos nenhuma ovelha de sua plena liberdade em Cristo; mas meramente em toda pergunta citamos a Palavra do Senhor, através dos apóstolos e profetas. Não nos orgulhamos de nada, não reivindicamos nada de nós mesmos. Estamos satisfeitos em servir o Senhor e a seu rebanho da melhor maneira possível — sem dízimos, sem “honra dos homens”, sem confissão de autoridade, sem compensação;  esperando meramente receber o amor do Senhor e daqueles que são seus filhos e têm seu Espírito.
 
Longe de formar ou desejar formar uma nova seita, ignoramos todos os sistemas sectários e sua autoridade reivindicada; reconhecemos apenas “um só Senhor, uma só fé e um só batismo” das Escrituras e a comunhão como “irmão” de toda pessoa de boa moral que confesse ter fé na “redenção pelo sangue de Cristo” e, especialmente, toda essa classe que professar uma consagração completa à vontade e ao serviço do Senhor — seja qual for a seita em que estejam ou fora de todas elas.” — A Torre de Vigia de Sião, 15 de janeiro de 1904, página 20.
Conclusão
As diversas citações acima deixam claro que o posicionamento de Russell era que a Bíblia sempre foi nossa carta magna em assuntos doutrinais, e que as publicações são meras “ajudas” para a compreensão da Bíblia. Ainda assim, Russell deixa claro que tais ajudas devem ser vistas de modo relativo, sempre comparando-as com o que a Bíblia diz, e até rejeitando qualquer erro que nelas se encontre. Nesse sentido, aplica-se o conselho de Paulo em 1 Tessalonicenses 5:21:
“Ponham à prova todas as coisas e fiquem com o que é bom.”
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