Será que as transfusões de sangue são proibidas por Deus?

 

“A carne, porém, com sua vida, isto é, com seu sangue, não comereis.” — Gênesis 9:4
ESSE E OUTROS textos semelhantes das Escrituras estão sendo usados ​​por alguns para tentarem provar que doar sangue para salvar a vida de alguém, ou receber uma transfusão de sangue, são proibidos por Deus e um pecado tão sério que resulta em morte eterna. Estaria correta essa interpretação sobre o mandamento divino de não comer ou beber o sangue de animais inferiores?

A ciência de transfundir sangue de um ser humano para outro para salvar a vida não era conhecida nos tempos antigos. Obviamente, então, não há referência direta a ela na Palavra de Deus; então, nossas conclusões sobre se transfusões podem ou não ser adequadamente colocadas na mesma categoria, do ponto de vista de Deus, do consumo de sangue animal através dos órgãos digestivos, deve basear-se inteiramente nos princípios envolvidos e não nas declarações diretas da Bíblia.

Quais fatores comuns estão envolvidos no consumo de sangue de animais inferiores e na ciência médica da transfusão de sangue? Até onde conseguimos entender, há apenas um, que é a palavra sangue. Além disso, as duas práticas não têm nada em comum. Deus proibiu seu povo antigo de beber o sangue de animais inferiores. Mas nas transfusões de sangue, sangue humano é que é usado.

Beber o sangue de animais inferiores requer a  morte deles. As transfusões de sangue não exigem a morte daqueles que doam seu sangue.

As vitaminas que sustentam a vida derivadas de beber sangue atingem o sistema através dos órgãos digestivos, e o corpo elimina os elementos restantes na excreção; assim, o sangue, como tal, é destruído. Nas transfusões, o sangue do doador é canalizado diretamente para a corrente sanguínea do paciente.

Assim, vemos que não há semelhança alguma entre o antigo costume de beber sangue, que era proibido pelo Senhor e a ciência moderna da transfusão de sangue. Portanto, só quando se aplica mal as Escrituras é que alguém interpreta que é proibido se beneficiar desse recurso tão benevolente da ciência médica. Ninguém deve permitir que uma aplicação tão flagrantemente errada dos mandamentos de Deus o impeça de se beneficiar de transfusões de sangue, com medo de desobedecer a Deus e ser condenado à “segunda morte”.

O sangue da expiação

Em Levítico 17:10, 11, lemos: “E qualquer homem da casa de Israel, ou dos estrangeiros que peregrinam entre eles, que comer algum sangue, contra aquela alma porei a minha face, e a extirparei do seu povo. Porque a vida da carne está no sangue; pelo que vo-lo tenho dado sobre o altar, para fazer expiação pelas vossas almas; porquanto é o sangue que fará expiação pela alma.” A expressão “algum sangue” (ou, “qualquer sangue”) não pode ser interpretada como incluindo sangue humano, pois o sangue humano não era oferecido em altares por Israel.
A “expiação” feita pelo sangue dos animais era apenas de natureza típica, e apontava para a expiação que seria feita para Adão e seus descendentes pelo sangue de Jesus. As Escrituras dizem: “Segundo a Lei, quase todas as coisas são purificadas com sangue, e sem derramamento de sangue não há perdão.  Portanto, era necessário que as cópias das coisas que estão nos céus fossem purificadas com esses sacrifícios, mas as próprias coisas celestiais com sacrifícios superiores.” — Heb. 9:22, 23, NVI

O “sangue de touros e bodes” não tirou os pecados dos israelitas, mas Deus usou esses sacrifícios para indicar o futuro derramamento do sangue de Jesus; então, Ele tornou o sangue animal muito sagrado, e por isso não queria que os israelitas o considerassem comum, ou comida normal. Paulo usou esse ponto de vista sobre o sangue típico para ensinar uma lição. Falando sobre aqueles que, tendo chegado ao conhecimento da verdade e aceitado as provisões da graça de Deus por meio de Cristo, e que depois voluntariamente se voltaram contra o Senhor, o apóstolo disse: “Quão mais severo castigo, julgam vocês, merece aquele que pisou aos pés o Filho de Deus, profanou o sangue da aliança pelo qual ele foi santificado.” — Heb. 10:29

Visto que Jeová quer que seu povo considere o sangue de Jesus como sagrado e santo, é compreensível o motivo de Ele ter limitado o uso de sangue animal para retratar o verdadeiro sangue da expiação. Para os israelitas, isso fazia parte de uma escola com o treinamento e a experiência destinados a levá-los a Cristo. Mas isso nem remotamente pode ser interpretado como estando relacionado com a ciência médica moderna da transfusão de sangue.
Simbolicamente falando, é essencial “beber” o sangue que foi prefigurado pelos sacrifícios típicos; isto é, o sangue de Jesus. Jesus disse: “se não comerdes a carne do Filho do homem, e não beberdes o seu sangue, não tereis vida em vós mesmos.” (João 6:53) Em linguagem não simbólica, isso significa simplesmente que, para ter a vida eterna, seja agora pela fé, seja na Era vindoura, é essencial aceitar a Cristo e sua obra sacrificial em nosso favor — reconhecer que ele morreu por nossos pecados e por toda a humanidade, inclusive por Adão. Mas aceitar a Cristo não tem a menor conexão com transfusões de sangue, conforme atualmente praticadas no mundo médico.

Costumes pagãos banidos

Os cristãos judeus na Igreja primitiva se depararam com um problema quando os gentios convertidos começaram a se associar com eles. Esses gentios eram sinceros em sua aceitação de Cristo, mas, aparentemente, em muitos casos, sua fé cristã simplesmente se misturava com suas formas de adoração pagã, muitas das quais eram repugnantes para os crentes judeus, e algumas eram até devassas. Certos mestres judeus na Igreja achavam que deviam disciplinar seus irmãos gentios insistindo que deveriam obedecer às ordenanças da lei, como a circuncisão.

Os apóstolos e outros mais maduros na fé se reuniram numa conferência em Jerusalém para decidirem o que deveria ser feito sobre esse problema. Em vista das circunstâncias, eles concordaram com um requisito mínimo para os conversos gentios — eles deveriam se ‘abster das coisas sacrificadas aos ídolos, e do sangue, e da carne sufocada, e da fornicação’. (Atos 15:29) A fornicação (imoralidade sexual) é inequivocamente condenada nas Escrituras.

A adoração idólatra dos pagãos daqueles dias incluía um banquete com as carnes oferecidas aos ídolos e fornicação. O comer sangue poderia ter sido facilmente associado a essas manifestações. Um cristão gentio imaturo talvez não visse nada de errado nessas coisas, mas trazê-las para a Igreja teria sido desastroso; então, os apóstolos sabiamente insistiram para que eles se abstivessem delas. No entanto, essas instruções aos crentes gentios na Igreja primitiva não têm qualquer importância na ciência médica atual da transfusão de sangue.

A Sentinela de 1 de julho de 1951 tenta demonstrar que a injunção divina contra o consumo de sangue inclui sangue humano. Eles citam o caso de Davi, que se recusou a beber a água que três homens arriscaram a vida ao trazerem para ele. Davi disse: “Nunca meu Deus permita que faça tal! Beberia eu o sangue destes homens com as suas vidas? Pois com perigo das suas vidas a trouxeram.” — 1 Crô. 11:17-19

Aqui Davi está falando simbolicamente. Em vez de beber a água que foi obtida com risco de vida, ele a derramou “para Jeová”. Conforme Davi raciocinou, a água representava o sangue de seus benfeitores, e isso, ele pensou, deveria ser oferecido ao Senhor em vez de aceitar o sacrifício em seu próprio nome. Não há nenhuma relação aqui com o mandamento de Deus para não beber o sangue de animais inferiores, e, certamente, não há relação alguma com a transfusão de sangue.
Se você tiver a oportunidade de doar seu sangue para salvar a vida de um parente ou amigo, ou de um irmão em Cristo, não hesite em fazer isso. Ou, se seu médico disser que uma transfusão de sangue salvará sua vida ou a vida de seu filho, aproveite essa benção moderna.

Artigo publicado na revista A Aurora de julho de 1954.