Russell e 1914

Alguns, com falta de conhecimento sobre a obra dos Estudantes da Bíblia, afirmam que Russell previu o fim do mundo para 1914, e isso não se cumpriu. Ou dizem que Russell e os Estudantes da Bíblia esperavam ir, instantaneamente, todos juntos para o céu naquele ano. 

Em primeiro lugar, os Estudantes da Bíblia não previram o fim do mundo para ano algum. Cremos que a Terra continuará a ser habitada e será transformada num paraíso. 

Em segundo lugar, mesmo em relação às expectativas da glorificação da Igreja e da vinda do Armagedom para 1914, o que muitos se desapercebem é que, ANOS ANTES de 1914, Russell mudou seu entendimento sobre o significado dessa data, e, em vez de ser o “fim”, passou a ser o começo da chamada Grande Tribulação. Esse fato é importante porque os Estudantes da Bíblia nunca creram num arrebatamento literal. Eles achavam que a vida deles terminaria por meio de alguma perseguição ou por causas naturais. Portanto, Russell não esperava a glorificação instantânea de todos naquele ano — na melhor das hipóteses, esperava que, naquele ano, todos os santos consagrados de algum modo terminassem sua carreira terrestre.

Mas alguns afirmam que esperavam serem glorificados ou irem para o céu instantaneamente em 1914, talvez baseados na declaração de Macmillan (co-conspirador e braço direito de Rutherford) em seu livro “Faith on the March” (A Fé em Marcha):

“Na sexta-feira de manhã (2 de outubro) todos nós estávamos sentados na mesa do café da manhã quando Russell desceu. Quando ele entrou na sala, ele fez uma breve pausa, como era seu costume, e disse alegremente: “Bom dia a todos.” Mas naquela manhã, em vez de prosseguir para o seu lugar como de costume, ele bateu as mãos rapidamente e felizmente anunciou: “Os tempos dos gentios terminaram; seus reis tiveram seu dia.” Todos aplaudiram.

Estávamos muito entusiasmados e não teria ficado surpreso se, naquele momento, aquele era o sinal para começarmos a ascender para o céu, mas é claro que nada disso aconteceu realmente.”

Pode ser que essa ainda fosse a expectativa de Macmillan (até porque muitos dentro do Movimento faziam especulações sobre datas diversas). Mas uma pesquisa nas publicações mostram que antes de 1914 houve uma mudança de expectativas para aquele ano. 

Artigos passaram a ser mais cautelosos quanto ao que realmente poderiam esperar que acontecesse. Russell estava bem ciente das expectativas frustradas dos adventistas, quando Cristo não retornou para buscar sua igreja em 1844, num evento que ficou conhecido como “O Grande Desapontamento”. Certamente Russell não queria que isso acontecesse entre os Estudantes da Bíblia.

Alguns mencionam uma edição do Bible Students Monthly (“Mensário dos Estudantes da Bíblia) com a manchete em letras garrafais “FIM DO MUNDO EM 1914” para provar que Russell pregou até aquela data que o fim viria em 1914. Ocorre, porém, que o subtítulo da mesma manchete dizia: “Esta não é a visão de Russell nem dos I.B.S.A.” (Estudantes Internacionais da Bíblia, sigla em inglês.)

Trecho do que foi escrito nesse artigo do “Mensário dos Estudantes da Bíblia” sobre 1914:

“… se temos razão em dizer que a sua parousiacomeçou em 1874, a forma de isso acontecer corresponderia com a maneira de sua partida. Ele não veio com gloriosas hostes, ressonantes trombetas, etc, mas como um “ladrão de noite.” Se nossa data e cronologia estiverem corretas,os Tempos dos Gentios terminarão este ano — 1914. 

O que significa isso? Não sabemos ao certo. Nossa expectativa é que o governo ativo do Messias começará aproximadamente no tempo do fim da concessão de poder aos gentios. Nossa expectativa, certa ou errada, é que haverá manifestações maravilhosas de julgamentos Divinos contra toda a injustiça e que isso significará a quebra de muitas instituições do tempo presente, se é que não de todas. Alguns textos parecem indicar que isso significará uma anarquia mundial, nem tudo começando no mesmo momento, nem terminando ao mesmo tempo, mas começando e gradualmente se difundindo por todo o globo. A sugestão adicional é que essa tribulação por fim se revelará uma bênção para a humanidade, amolecendo seus corações no Dia da Angústia (ou, Tribulação), ensinando-os a terem mais simpatia uns pelos outros, rompendo o poder da superstição, das riquezas, da ignorância, etc — preparando-os para o governo glorioso do Reino do Messias.”

Embora os Estudantes da Bíblia Bereanos, não defendam toda a cronologia tradicional de Russell, o  fato de realmente ter ocorrido uma gradual anarquia global em 1914 por causa da Primeira Guerra Mundial é notável.

AS REAIS EXPECTATIVAS DE RUSSELL PARA 1914

Podemos saber quais eram as expectativas para 1914 por meio de artigos da época, como este:

“Nós pedimos aos leitores da TORRE DE VIGIA que exerçam moderação em relação à sua fé e conduta em todos os assuntos — incluindo suas previsões cronológicas do futuro. No nosso julgamento, é muito imprudente gastar um valioso tempo e energia para adivinhar o que acontecerá este ano, no próximo ano, etc.” 

(…)

“Aproveitamos esta ocasião para novamente lembrar aos nossos leitores de que, em nenhum dos nossos escritos, encontrarão algo positivamente declarado com relação aos anos finais desta Era, exceto que entendemos que os Tempos dos Gentios findarão em outubro de 1914 e, consequentemente, esperamos que logo depois dessa data ocorrerá a transferência do governo da Terra para o grande Rei da Glória, em “um tempo de angústia, qual nunca houve, desde que houve nação até àquele tempo”.

(…)

“De fato, em relação à data de 1914, que temos dado ênfase, e sobre a qual temos expressado repetidamente nossa fé, nossa convicção — mesmo com relação à essa data, nunca falamos conscientemente em termos infalíveis. Nós sempre admitimos que é uma questão de fé e de convicção, e não de conhecimento absoluto.” — A Torre de Vigia de Sião, 1 de junho de 1913, pág. 5249

Vemos então um tom bem mais moderado com relação a 1914. Não há nada nesse artigo que fale categoricamente que a Igreja seria glorificada naquele ano. Pelo contrário, o artigo diz que não seria bom especular o que aconteceria.

Numa sessão de perguntas feitas a Russell em 1905 (quase 10 anos ANTES de 1914)também aprendemos muito sobre o que Russell realmente esperava para aquele ano:

PERGUNTA (1905) Por que a Tribulação deve COMEÇAR em 1914?

RESPOSTA. – Eu respondo que a razão pela qual esperamos que ele comece lá no sentido pleno é que o Pai esboçou o Plano para toda essa Era. Aqui, o Ir. Russell proferiu um longo discurso sobre os “Tempos dos Gentios”, mostrando que seu arrendamento de poder começou em 606 a.C. e terminará no outono de 1914, o que pode ser encontrado em detalhes no Vol. 2, da obra Aurora do Milênio (Estudos das Escrituras).

CRONOLOGIA – Início ou Fim da Tribulação em 1914?

PERGUNTA (1905) – 1 – Será que o tempo de aflição começa ou termina em 1914 e por quê?

RESPOSTA. – Respondemos que tem havido uma boa parcela de aflições. Vocês sabem que temos um canto de aflições bem ali (ele sorriu e apontou para o seu pequeno escritório). Houve e haverá momentos de aflições no que diz respeito à Igreja. Olhem para as perseguições. Mas a referência aqui e, adequadamente, é para o “Grande Tempo de Aflição” mencionado em Daniel, capítulo 12, onde diz, “haverá um tempo de aflição como nunca antes”, e nosso Senhor acrescenta: “Nem tampouco há de haver [novamente]”. Bem, esse é o tempo de aflição a que estamos nos referindo, e não começará nem terminará em 1914. O tempo de aflição pode ter um começo agora, mas esses começos estão apenas levando à verdadeira aflição. Se houvesse um tufão chegando, você esperaria primeiro ver a poeira e a agitação antes que as casas fossem varridas, e assim vemos isso acontecendo na Rússia. O tempo de aflição, o horrível momento da anarquia, segundo nossa compreensão, começa realmente lá, embora, como a poeira do tufão, haverá e agora há problemas que precedem a tal horrível anarquia. Quanto a quanto tempo durará, não sei, mas não consigo imaginar como isso pode durar muito.”

Por meio desses artigos observamos que o que realmente estava sendo aguardado para por volta de 1914 era o fim dos Tempos dos Gentios, e, para os Estudantes da Bíblia isso significaria o fim da dominação gentia sobre o Israel natural e um tempo de aflição, ou tribulação. Curiosamente, com o fim da Primeira Guerra Mundial — que foi um período de aflição mundial — o Império Otomano, que ocupava a Palestina e que impedia o retorno dos judeus para sua terra de direito, foi removido, abrindo caminho para a criação do moderno Estado de Israel em 1948. Se isso tem algum significado bíblico, resta-nos ver.

CONCLUSÃO

Os que afirmam que Russell esperou durante todo o tempo pelo fim em 1914 e só mudou de ideia depois, quando este não veio, estão, no mínimo, sinceramente equivocados. Russell e os Estudantes da Bíblia tinham sim algumas expectativas para 1914, certamente aguardavam um tempo de anarquia global e, com isso, uma violenta perseguição que talvez progressivamente pusesse fim à vida dos santos consagrados na Terra, (Apo. 2:10) mas jamais esperavam ser instantaneamente arrebatados juntos para o céu.

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