A Bíblia Sagrada contém muitos aspectos cronológicos comprovados, principalmente os referentes a profecias do Velho Testamento como o livramento dos judeus do cativeiro em Babilônia, o Primeiro Advento de Cristo, enfim, coisas que já foram provadas pelo tempo.
Porém, no que diz respeito a eventos futuros, ou possivelmente presentes, como a Presença de Cristo, o Tempo do Fim, a Grande Tribulação e outros, precisamos ter muito cuidado. Entendemos, por exemplo, que a cronologia do Irmão Russell contém erros e boa parte dela se baseia nos cálculos de pessoas que o precederam, como Miller, Barbour, Aquila Brown, e outros. Para nós, Estudantes da Bíblia Livres, os sinais descritos por Jesus são muito mais importantes e confiáveis que qualquer sistema cronológico. Afinal, o próprio Senhor Jesus Cristo disse:
“Não lhes compete saber os tempos ou as datas que o Pai estabeleceu pela sua própria autoridade.” (Atos 1:7, NVI)
Veja abaixo um trecho traduzido do livro Apocalipse Adiado, de James Penton, que explica como várias datas aceitas até hoje pelos Estudantes da Bíblia “tradicionais”, e outras, aceitas pelas Testemunhas de Jeová, vieram a existência:
O Dr. Nelson H. Barbour e os Três Mundos
Em janeiro de 1876 Russell entrou em contato com o Herald of the Morning [Arauto da Manhã], publicado em Rochester, Nova Iorque, pelo Dr. Nelson H. Barbour, um pregador adventista independente que também tinha sido um Millerita e associado de George Storrs. Barbour tinha estado ligado ao círculo do qual Jonas Wendell fora membro. Tal como Wendell, ele usou a cronologia que dizia que o ano 1873 tinha marcado 6.000 anos desde a criação de Adão.
No Herald of the Morning [Arauto da Manhã] Barbour e um co-trabalhador, John H. Paton, tinham ido muito para além de Wendell e dos seus associados, que tinham originalmente acreditado que 1873 presenciaria o segundo advento e a consumação da terra por fogo. Quando nada de visível aconteceu naquele ano, eles primeiro ficaram muito perplexos até que B. W. Keith,24 um leitor do Herald, descobriu a tradução de Benjamin Wilson de parousia como ‘presença’. Então, tal como Russell, Barbour e Paton começaram a acreditar na idéia de uma presença invisível de Cristo, que eles achavam ter começado segundo o plano em 1874.
Russell, que anteriormente tinha rejeitado a cronologia e o estabelecimento de datas dos adventistas, tal como George Storrs depois de 1844, agora pagou as despesas de Barbour para que visse a Filadélfia encontrar-se com ele e mostrar-lhe ‘completamente e biblicamente, se pudesse, que as profecias indicavam 1874 como sendo a data em que começara a presença do Senhor e a “colheita”.’ Conforme o jovem mercador, então com apenas vinte e quatro anos, declarou mais tarde: ‘Ele veio, e a evidência satisfez-me.’25 Mais uma vez Russell ficou impressionado por idéias racionalistas.
Seguiram-se imediatamente vários desenvolvimentos importantes. Russell deu o seu apoio financeiro ao Herald of the Morning [Arauto da Manhã], deu dinheiro a Barbour para preparar um livro representando as suas crenças a respeito do fim da era, e reduziu certas atividades de negócios para se envolver em viajar e pregar enquanto Barbour escrevia e publicava. Pouco depois, segundo o relato de Russell, ele pediu que Paton se lhe juntasse na pregação e também lhe pagou as despesas. Assim começou uma breve mas importante associação.
As particularidades das datas que Barbour explicou a Russell foram expostas na primavera de 1877 em Three Worlds and the Harvest of This World [Três Mundos e a Colheita Deste Mundo], o livro que Russell o tinha encorajado a escrever. Embora apresentasse os nomes dos dois homens como autores, o livro foi composto inteiramente por Barbour.26 Consequentemente, Three Worlds, com a sua cronologia elaborada, especulação profética e escatologia, continha alguns dos seus pensamentos originais, além de conceitos tirados de várias fontes. Entre outras coisas, ele continuou a usar o sistema ano-dia27 de interpretação de numerosas profecias; também aceitou a idéia de um ‘ano profético’ de 360 dias28 e uma interpretação historicista do livro de Revelação. Mais significativo, ele foi buscar muita informação aos estudos milenaristas de vários escritores do século XIX ao formular um sistema que demonstrou ‘correspondências’ biblico-matemáticas surpreendentes, um fato que impressionou grandemente Russell e que levou muitos milhares de pessoas a aceitar o sistema de Barbour desde esse tempo.
Quais foram, então, os principais aspectos do ‘plano da redenção’ conforme delineado em Three Worlds? Primeiro, como indica o título dessa obra, Barbour viu a história dividida em três grandes períodos, ou ‘mundos’, além de várias dispensações dentro desses mundos. Isso, porém, não era importante em si mesmo. Antes, o que era significativo era que ele inferiu que se podia calcular as datas das várias eras a partir da cronologia e das profecias da Bíblia e assim determinar o cronograma de Deus para a segunda vinda de Cristo, o arrebatamento dos santos, e a restauração da terra a um paraíso como o Éden.
Barbour não tinha dúvidas de que o bispo James Usher, cuja cronologia era então usualmente impressa nas margens das bíblias King James Version, tinha estado errado nos seus cálculos da idade da humanidade. Ele tinha ‘cento e vinte e quatro anos a menos’.29 Sem hesitar perante as dificuldades da cronologia bíblica, Barbour escreveu: ‘uma noite passada com a Bíblia, papel e lápis, junto com uma determinação completa para conhecer exatamente o que ela ensina, habilitá-lo-á a dominar todo o assunto, e medir por si mesmo.’ Usando este método, ele calculou simplesmente que seis mil anos de história humana tinham terminado no outono de 1873 e declarou que estava prestes a começar uma ‘manhã de alegria’ para a humanidade. Como um dia para o Senhor é mil anos, segundo o salmista, tinham passado seis ‘dias’. O sétimo, o milênio, seria um grande sábado de restituição.30 Igualmente importante era o conceito dos dois pactos das dispensações judaicas e do evangelho. Com a sua aritmética simples, Barbour calculou a idade da dispensação judaica que, acreditava ele, se estendera durante um período de 1845 anos desde a morte de Jacó até à morte de Cristo em 33 E.C. Então, baseando-se na sua interpretação de Isaías 40:2 na King James Version: “Confortai-vos, confortai-vos, meu povo, diz o vosso Deus; confortai Jerusalém e gritai-lhe que a sua guerra [margem: tempo designado] cumpriu-se, que a sua iniquidade está perdoada, pois ela recebeu da mão do Senhor, a dobrar, por todos os seus pecados’, ele argumentou que a dispensação do evangelho tem de ser o ‘dobro’ da mesma extensão de tempo da era judaica. Assim, começando na morte de Cristo, ele defendeu que a era do evangelho tem de terminar em 1878.31
Além disso, como as duas dispensações eram paralelas em todos os sentidos, e os últimos três anos e meio da era judaica, desde o batismo de Cristo até à sua crucificação, tinham sido uma ‘época de colheita’, o mesmo tem de ser verdade para o período desde o outono de 1874 até à primavera de 1878. Consequentemente, Barbour esperava que os santos fossem levados no arrebatamento neste último ano. Ele estava tão certo disso, que quando elaborou Three Worlds em 1877 escreveu: ‘Se tem o espírito de uma criancinha, por favor arranje um grande pedaço de papel, a sua Bíblia e lápis, e comece com Gên. 5:3. Deixe-me dizer-lhe, mais alguns meses e “A Colheita terá passado, o verão acabado.”‘32
Para fortalecer ainda mais os seus argumentos, ele usou o que era conhecido como o ciclo dos jubileus. Sob a lei mosaica, todo o qüinquagésimo ano era um ano no qual as possessões, quer fossem pessoais ou ancestrais, deviam reverter aos seus proprietários ou aos herdeiros dos seus proprietários. Os escravos também deviam ser libertos. Por isso, Barbour viu no ano do jubileu um tipo para o grande dia de restituição de Deus — o milênio. Mas ele também o viu como tendo significado para o início da era milenar. Segundo Barbour, se os jubileus tivessem continuado a ser celebrados desde a era judaica até ao seu próprio dia, um ano de jubileu teria ocorrido em 1875, começando (para ser exato) em 6 de abril.33
Ao desenvolver o seu sistema, Barbour foi grandemente influenciado pelo seu velho mentor, William Miller, e incorporou algumas das idéias de Miller no seu sistema. Ele acreditava, por exemplo, tal como muitos outros, que o ‘tempo, tempos e metade de um tempo’ de Revelação 12:14 tinham terminado em 1798 e que os 2.300 dias (anos) de Daniel 8:14 tinham terminado em 1843. ‘O erro de [Miller e] do movimento de 1843 não foi no argumento que prova que os “dias” acabaram ali, mas em assumir que cobriam toda a visão.’34 No entanto, por muito importantes que as idéias de Miller fossem para Barbour, não foram mais importantes do que as do inglês John Aquila Brown.35
Talvez o aspecto mais importante de interpretação profética encontrado em Three Worlds ao qual as Testemunhas de Jeová ainda aderem largamente envolva o cálculo da duração dos ‘tempos dos gentios’ mencionados em Lucas 21:24. Isso foi algo que intrigou Russell. Depois de o aprender de Barbour, ele publicou um artigo no Bible Examiner de outubro de 1876 intitulado ‘Gentile Times: When Do They End?’ [Tempos dos Gentios: Quando Terminam?]36 Portanto Russell realmente tornou sua essa interpretação mesmo antes da publicação de Three Worlds. No entanto, na realidade, o sistema de calcular os tempos dos gentios nem se originou com ele, como muitas vezes se crê, nem com Barbour.
De fato, foi John A. Brown quem primeiro explicou o que considerava ser a chave para a duração desses tempos num livro chamado Even-Tide, publicado em Londres em 1823. O que ele propôs foi que o típico reino de Judá tinha caído sob domínio gentio em 604 a.C. Depois disso, não haveria governo de Deus na terra até quatro grandes impérios — o babilônico, o medo-persa, o macedônio e o romano — terem o seu domínio. Então Cristo, como herdeiro de Davi, governaria em Jerusalém. Mas quanto tempo passaria antes que esses impérios expirassem? Brown encontrou aquilo que era para ele a resposta no quarto capítulo do livro de Daniel.
Nesse capítulo, Nabucodonosor, o rei de Babilônia, é retratado como tendo tido um sonho de uma grande árvore. Por ordem divina, a árvore foi cortada e uma banda colocada sobre o toco, e não lhe seria permitido crescer novamente até terem passado ‘sete tempos’. Quando Daniel interpretou o sonho, foi aplicado diretamente a Nabucodonosor que haveria de passar por sete tempos (anos?) de loucura antes de ser restaurado ao seu trono. Mas Brown viu em Nabucodonosor um tipo da família humana. Antes da sua loucura ele era visto como representante da teocracia judaica; durante a sua loucura foi encarado como um tipo das ‘animalescas’ nações gentias; e depois da sua recuperação, um tipo do reino messiânico de Jesus Cristo.
Para calcular os ‘sete tempos’ Brown raciocinou que estes eram sete anos de 360 dias proféticos cada. Usando o princípio ano-dia, ele simplesmente multiplicou 360 dias por sete e chegou a um período de 2.520 anos. Finalmente, contando 2.520 anos desde 604 a.C., chegou ao ano 1917 A.D., que designou como a data para o fim daqueles tempos.37
Barbour decidiu que Brown tinha marcado o início dos sete tempos — que ele encarava como os tempos dos gentios — dois anos mais tarde. Ele defendia que os tempos dos gentios tinham começado com aquilo que acreditava ter sido a data da destruição de Jerusalém por Nabucodonosor. Assim, em vez de usar 1917 como o término para esses tempos, calculando ligeiramente diferente ele marcou-os como tendo a sua conclusão no outono de 1914.38 Nesse ano, o reino de Cristo viria para assumir domínio completo sobre a terra, e os judeus, como povo, seriam restaurados ao favor de Deus. Durante o intervalo entre o tempo em que escreveu Three Worlds e 1914, Barbour esperava que ocorressem muitas coisas. Além do arrebatamento dos santos, ele acreditava que o mundo testemunharia um tempo de tribulação como nunca antes vira.39
Barbour estava muito impressionado pelo seu próprio sistema. Ele declarou que ‘não estava disposto a admitir que o seu cálculo estivesse errado nem sequer um ano’. Para ele havia ‘esta quantidade de evidência’:
Muitos dos argumentos, a maioria deles, de fato, não são baseados na teoria ano-dia, e alguns deles, nem sequer são baseados na cronologia; e no entanto existe harmonia entre todos eles. Se você resolveu um problema difícil em matemática, pode muito bem duvidar se possivelmente não terá feito algum erro de cálculo. Mas se resolveu esse problema de sete maneiras diferentes, todas independentes umas das outras, e em cada um dos casos alcançou o mesmo resultado, seria um louco se continuasse a duvidar da exatidão desse resultado.40
Até George Storrs, um homem há muito tempo hostil a tal estabelecimento de datas escatológico, encarava a cronologia de Barbour como ‘a melhor que jamais vi’. Embora ele tornasse claro que não podia concordar com as conclusões a que Barbour tinha chegado, indicou que não tinha qualquer vontade de se lhes opor.41 E não é de admirar que qualquer pessoa vivendo na América do fim do século XIX e impressionada pelas assim chamadas ‘provas’ matemáticas pudesse encarar Three Worlds como um importante estudo profético, se tivesse a tenacidade de lê-lo. Referindo-se ao sistema de Barbour, tal como adotado por Russell praticamente sem mudança, Timothy White comenta: ‘Os padrões cronológicos, profecias e paralelos de Russell são suficientes para desafiar a imaginação. Cada uma das datas 1799, 1874 e 1914 são o resultado de vários métodos de cálculo inteiramente independentes. Todo o sistema torna-se muito harmonioso e equilibrado.’42
Three Worlds é portanto um trabalho muito importante. De fato, contém dentro de si a maior parte das idéias que Russell e aqueles em associação com ele haveriam de promulgar durante os cerca de quarenta anos seguintes. Mesmo hoje, muitos dos conceitos desse livro — embora frequentemente, mas nem sempre, alterados de modo importante — ainda são ensinados pelas Testemunhas de Jeová. Assim Barbour, que na melhor das hipóteses recebe não mais do que uns poucos parágrafos, geralmente hostis, nos relatos costumeiros das Testemunhas sobre a sua história,43 foi e é um dos maiores contribuintes para todo o seu sistema doutrinal.